Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)
A mortalidade por leucemia no Brasil é cerca de 1,7 vezes maior entre trabalhadores expostos ao benzeno, o que representa um risco 73% maior de morte por esse tipo de câncer do que para o restante da população trabalhadora, mostra estudo publicado em julho no periódico International Journal of Environmental Research and Public Health[1]
No Brasil, mais de 7 milhões de trabalhadores estão potencialmente expostos ao benzeno, composto químico que desde 1982 é reconhecido como cancerígeno pela International Agency for Research on Cancer (IARC) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). [2] Décadas após a constatação, a falta de implementação de normas de proteção para reduzir a exposição ao agente ainda contribui para muitos óbitos.
A taxa encontrada no estudo em tela foi estimada pela Dra. Maria Juliana Moura-Corrêa, assistente social, especialista em saúde do trabalhador, doutora em epidemiologia pelo Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA) e pesquisadora na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz). Para chegar a esse resultado, ela analisou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coletados entre 2006 e 2011.
Além disso, a pesquisadora utilizou a matriz Finnish National Job-Exposure Matrix (FINJEM) para estimar a quantidade de pessoas expostas em cada tipo de ocupação em que o benzeno é usado, manipulado ou transportado. Ela ajustou os parâmetros da FINJEM para o contexto ocupacional brasileiro e, para a análise em questão, utilizou como categorias os seguintes grupos: químicos; assistentes de laboratório; frentistas; tapeceiros/estofadores e afins; cortadores de couro para calçados; soladores de sapatos; sapateiros e afins (exceto as categorias já citadas); trabalhadores da indústria de calçados; operadores de máquinas e mecânicos; pintores, aplicadores de pisos e afins; operadores de impressoras; trabalhadores da impressão gráfica; trabalhadores de instalações de processos químicos; controladores de instalação de processamento de produto químicos; trabalhadores de refinaria e da indústria química; funcionários na produção de borracha; e operadores de máquinas de lavar, tingir e passar. Essas categorias englobam pessoas cujo ambiente de trabalho tem níveis médios ≥ 0,1 ppm de benzeno ao longo de um ano, segundo a medições da FINJEM.
A pesquisa revela que, no período analisado, houve 21.049 mortes por leucemia no Brasil. Desse total, 1.917 óbitos ocorreram entre trabalhadores dos grupos ocupacionais potencialmente expostos ao benzeno, o que corresponde a uma taxa de mortalidade anual de 4,5/100.000. Já, entre os trabalhadores não expostos à substância, a mortalidade anual foi de 2,6/100.000.
Considerando apenas os grupos ocupacionais potencialmente expostos ao benzeno, os operadores de impressoras e os trabalhadores da impressão gráfica foram os que apresentaram maior taxa de mortalidade média anual por leucemia (6,9/100.000), seguidos pelos assistentes de laboratório (6,7/100.000).
Os resultados indicam ainda que os trabalhadores que morreram de leucemia tinham mais chances de ser do sexo masculino e jovens. Segundo a Dra. Maria Juliana, esses resultados seguem um padrão similar ao observado em outros países. E isso, de acordo com a pesquisadora, ocorre principalmente em virtude da maior população masculina nas ocupações em que há exposição ao benzeno.
As evidências da carcinogenicidade do benzeno já são conhecidas há tempos, mas o estudo em tela apresenta novos dados ao estimar a fração de óbitos por leucemia atribuível à exposição ocupacional ao benzeno no Brasil. “Isso é extremamente relevante, pois nos permite estabelecer cenários de fração de casos de leucemia em que é possível eliminar [o número de óbitos que não ocorreriam] caso não houvesse exposição ao benzeno. Ou seja, [é possível estimar os] casos que não deveriam ocorrer e são 100% preveníveis”, explicou.
Apesar de a pesquisa ter analisado dados coletados até 2011, a autora acredita que as estimativas se mantêm atuais, principalmente porque as instituições responsáveis pela fiscalização e vigilância dos ambientes de trabalho foram muito precarizadas nos últimos anos. “O Brasil precisa reduzir os números de [casos de] câncer, entre eles os de leucemia relacionada a exposições químicas [a substâncias] como o benzeno, que atingem, para além dos trabalhadores diretamente envolvidos no processo produtivo, populações distribuídas nos entornos de empresas, nas rotas de exposição e/ou em áreas contaminadas”, destacou.
A pesquisa foi conduzida durante o doutorado em epidemiologia da Dra. Maria Juliana, realizado pelo ISC/UFBA e orientada pela professora Dra Vilma Santana . Os dados encontrados foram usados na produção do boletim epidemiológico “Quantos são os trabalhadores expostos ao benzeno no Brasil? Estimativas baseadas em uma matriz de exposição ocupacional”, [3] do Programa Integrado em Saúde Ambiental e do Trabalhador (PISAT), vinculado ao Ministério da Saúde. O boletim foi divulgado em julho de 2017.
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